domingo, 15 de abril de 2012

Woody Allen e a Junção de Sonho e Realidade

“Os reais querem vidas fictícias e os fictícios querem vida real.”
Cecília, a mocinha, é a fonte de tudo. Ela relata os principais problemas de sua época, os seus maiores problemas. E com os olhos entusiasmados revela sonhos, sonhos de uma vida melhor, de um romantismo original, mostrando-se tão mulher, tão humana, que até no nome espalha brilho, Cecília.


A rosa púrpura do cairo, 1985, Woody Allen

O contexto incentiva a entrega de Cecília ao abraço carinhoso do cinema, era seu refúgio. Década de 30, Nova Jersey, Estados Unidos. A depressão econômica tornava a vida muito difícil, a pobreza e o desemprego são questões lembradas diversas vezes pela personagem.

Vivia-se com um sentimento coletivo de fracasso, compartilhado desde a quebra da bolsa em 29. Jovem, muito bonita, Cecília trabalhava como garçonete para sustentar a casa, era casada com um homem desempregado, a crise fez com que a fábrica onde trabalhava fechasse.

Como se não bastasse, além de ter de trabalhar muito, o marido, um viciado em álcool, levava mulheres para dentro de casa e batia em Cecília. Então a pobre sonhadora vivia a mergulhar nos encantos do cinema.

“A rosa púrpura do Cairo” parece um presente de Woody Allen, que escolhe de forma mágica como demonstrar a impressão de realidade no cinema, que a todos arremata. De como o espectador se sente parte da história, ultrapassando a fotografia que apesar de representar fielmente a realidade capturada, o cinema propõe algo a mais.

O movimento dos elementos representados na tela de cinema sinaliza a existência de vida, nós fazemos uma relação direta entre estar vivo e o movimento. Talvez por isso em primeiro lugar procuramos ficar imóveis quando nos fingimos de mortos.

Woody Allen apresenta “A rosa púrpura do Cairo” em 1985, mas as preocupações são do período em que se passa a história, da Grande Guerra, as pessoas estavam sem esperança ao presenciar a pobreza avançar sobre seus lares. O cinema era a fuga de tantas frustrações, era preciso sonhar um mundo sem problemas, onde tudo era perfeito, onde havia pessoas felizes e inteligentes, apenas desfrutando da vida. Perfeito para suprir as necessidades e o profundo desejo de todos.

O sonho de Cecília com o homem perfeito era realizado com o personagem do filme em que ela assistiu por cinco vezes. Tom Baxter era honesto, fiel, romântico, corajoso e beijava muito bem. Como em todas as vezes em que via o filme, Cecília se nutria de um desejo tão grande de viver aquela realidade, que seu olhar não tinha outra direção.

Então quando o personagem Tom Baxter de repente sai da tela de cinema e vai ao seu encontro na plateia, os mundos se confundem. Será o mundo do cinema a realidade? Ou Cecília está apenas sonhando a tal ponto que o personagem se torne real para ela?

Este é o grande momento em que a impressão de realidade no cinema se extrapola e o personagem consegue interferir no mundo real, consegue tirar sua vida da tela para fora dela. A ficção ganhou contornos concretos, a sensação proporcionada pelo cinema de que aquilo está acontecendo de fato naquele momento, aliada ao movimento do personagem, nos causa a fortíssima impressão de que estamos vivenciando aquilo.

De trata-se de uma história real, então trazemos toda aquela problemática para nós e sofremos ou não, como se fôssemos diretamente afetados. Isso tudo é justificado em emoções demonstradas naturalmente por nós.

Mas Arnheim diz que o cinema está entre o teatro e a fotografia, e por isso entre as duas artes, o cinema possui uma carga maior de realidade. A fotografia, apesar de fidedigna quanto a representação do real, não demonstra a credibilidade suficiente para dotar-se de vida, pois seus elementos não são providos de movimento.

No entanto, o teatro em seus acessórios de produção, nutre-se demasiadamente do real, o público está muito próximo, não há no teatro nenhuma ideia de ficção que forneça ideias no imaginário do expectador. Mas o cinema contém a separação física, a separação de espaço que faz com que quem esteja vendo, altere o seu imaginário e receba aquela situação no momento em que acontece com elementos fictícios, mas que aos olhos já entraram chegando a mente que projeta e sente a realidade do filme.

Em “A rosa púrpura do Cairo” Woody Allen a todo momento, trata dessa impressão de realidade, da realidade do filme que o expectador trás para si, pois Cecília chega a entrar literalmente na tela de cinema, é a representação concreta de como nós adentramos na história. Cecília se envolve de uma forma que sente como se chegasse a se apaixonar pelo personagem. Entra no mundo tão desejado e se sente realizada por viver tudo o que sempre sonhou.

Trata do homem perfeito, dos desejos femininos, das tristezas da época, da mágica que o cinema propõe sobra nossa percepção, sem esquecer que há todo um contexto que irá influenciar diretamente com percebemos o cinema, o estado de espírito de cada um que irá determinar impressão causada pelo filme. De como o expectador se comporta ao interagir com os atores do filme, encarando aquela situação como verdadeira, tratando os personagens como iguais.

De como o cinema está tão inserido na forma como pensamos o real, de como percebemos esta realidade e nos colocamos na história que é contada. Dos elementos que fazem o cinema, nos deixam intimamente participantes do que à primeira vista é ficção, mas que sentimos como se os reais quisessem vidas fictícias e os fictícios quisessem vida real.

Woody Allen não se esquece de demonstrar a intenção do personagem em entrar no mundo real, através de outros personagens que tentam sair da tela para ganhar vida fora da história e termina com o clássico “A alegre divorciada” com Fred Astaire e Ginge Rogers dançando com Fred cantando Cheek to Cheek, música de Frank Sinatra.


                                          A alegre divorciada, 1934, Mark Sandrich

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